(para Rafael Bomani Machado Ferreira)
Por muitos e muitos anos eu não quis ter em minha casa sequer uma planta, para não estar preocupada em quem a regaria quando fosse viajar – imaginem se passava pela minha cabeça ter um animalzinho! Então um dia... pois é, sempre tem um dia!
Passei de manhã numa agropecuária, e havia duas jaulas cheias de cachorros e cachorrinhos para serem doados. Dei uma espiada, e ele me “pescou” na hora, com seu olhinho maroto e seu rabinho que parecia um fio de lã preta abanando. Mas se eu não queria nem sequer uma planta na minha casa...
Fui embora, mas era como se não tivesse ido. Talvez aquele tenha sido um dos dias mais complicados da minha vida. Não conseguia tirar aquele bichinho da minha cabeça – e se eu ficasse com ele? Tinha lá também uma irmãzinha dele, preta e branca, e havia cachorrinhos “de raça”, mas era aquele vira-latas peludinho preto quem me cativara, e a partir do meio dia o meu pensamento já era outro: se ninguém o tivesse pegado até o final da tarde, eu iria ficar com ele. Depois de tal decisão, outra se impunha: que nome dar ao bichinho? Não podia ser um nome qualquer, e fiquei divagando entre os nomes mais bonitos que conhecia, principalmente os dos meus heróis da Literatura, e por pouco ele não veio a se chamar Capitão Rodrigo. A História se impunha, também, e a força desta minha América tão amada, e pensa de cá e pensa de lá, e cheguei em Atahualpa, o último imperador Inca, aquele que foi traiçoeiramente assassinado pelo invasor espanhol – Atahualpa nascera do amor, fora um grande imperador... sim, sim, só restava saber se eu iria ter, mesmo, o cachorrinho.
Esperei até dez para as seis para voltar à agropecuária, e descobri que TODOS os animais que estavam lá para doação, naquele dia, tinham arranjado dono e ido embora – todos menos um cachorrinho que estava abandonado lá no canto de uma jaula, abanando um rabinho que parecia um fio de lã preta do tamanho de um dedinho de bebê – foi um momento mágico, aquele, quando peguei Atahualpa no colo, embrulhei-o num florido pano vermelho e fui com ele até o carro, mostrando-lhe o que havia ali por fora e começando nossa primeira conversa:
- Olha só, Atahualpa, veja como o mundo é grande! – e fui me exibir com ele para a minha amiga Dina, perto dali.
Era seis de dezembro, dia de São Nicolau, importante dia da minha cultura, quando as crianças colocam o sapato na janela para ganhar chocolates, balas e castanhas de São Nicolau. Para mim, era como se eu tivesse botado o sapato na janela também!
Nos dias seguintes, descobri o quanto Atahualpa era fraquinho, como estava doente, com desinteria, e houve momentos em que entrei em pânico, porque o Natal se aproximava e os veterinários estavam saindo de férias e os hoteizinhos estavam lotados por causa dos feriados e eu tinha que ir para Florianópolis lançar um livro, e então Atahualpa ficou mal mesmo, e consegui um veterinário que o atendeu – e desfez toda aquela bobagem de que cachorro moderno só pode comer ração: mandou-me para casa dar-lhe arroz com frango, aos pouquinhos, para que ele não vomitasse de novo. Fui para a cozinha com o coração na mão, e quando ficou pronto aquela comida nova, ele a devorou com tal ferocidade, e ficou latindo e me olhando com tal ódio por não lhe dar tanto quanto queria, que até hoje lembro dos seus olhinhos negros tão cheios de indignação e raiva que pensei que poderiam me matar.
Aos pouquinhos, ele foi melhorando, mas foi só a 24 de dezembro, manhã de Natal, que acho que ele ficou bom. Levei-o a dar uma voltinha na calçada, e de repente ele encontrou um grande pedaço de lingüiça abandonada em algum lugar, e apoderando-se dela, rosnou para mim e mostrou-me os dentes, e fugiu com a lingüiça para debaixo de um automóvel, e lá, esbarrando no meu desespero, devorou aquela lingüiça toda num instante, deixando-me morta de preocupação, lembrando das lingüiças com veneno que gente malvada espalha por aí para matar cachorrinhos incautos. Voltei com ele para casa para poder observá-lo: se ele comera veneno, logo começaria a passar mal, e haveria que correr ao veterinário para abreviar a sua agonia, mas o dia passou e nada aconteceu.
Então, naquela noite de Natal, eu tinha que ir a duas festas, e deixei meu cachorrinho comer tanto churrasco, banha e lingüicinha quisesse, e depois disso ele nunca mais ficou doente. Faz pouco mais de três meses que está comigo – não passava de um bife, quando veio – tinha 800 gramas e um rabinho de fiapo de lã. Agora é Páscoa, e virou um rabudo de palmo e meio de rabo tão grosso quanto o meu polegar, e nesta semana estava pesando seis quilos, e desenvolvi músculos novos nos braços de tanto carregá-lo para atravessar as ruas e coisas assim. Está com cinco meses, e não imagino o quanto ainda irá crescer. Que parceria que fomos arranjar, não, Atahualpa?
Blumenau, 21 de março de 2008.
Por muitos e muitos anos eu não quis ter em minha casa sequer uma planta, para não estar preocupada em quem a regaria quando fosse viajar – imaginem se passava pela minha cabeça ter um animalzinho! Então um dia... pois é, sempre tem um dia!
Passei de manhã numa agropecuária, e havia duas jaulas cheias de cachorros e cachorrinhos para serem doados. Dei uma espiada, e ele me “pescou” na hora, com seu olhinho maroto e seu rabinho que parecia um fio de lã preta abanando. Mas se eu não queria nem sequer uma planta na minha casa...
Fui embora, mas era como se não tivesse ido. Talvez aquele tenha sido um dos dias mais complicados da minha vida. Não conseguia tirar aquele bichinho da minha cabeça – e se eu ficasse com ele? Tinha lá também uma irmãzinha dele, preta e branca, e havia cachorrinhos “de raça”, mas era aquele vira-latas peludinho preto quem me cativara, e a partir do meio dia o meu pensamento já era outro: se ninguém o tivesse pegado até o final da tarde, eu iria ficar com ele. Depois de tal decisão, outra se impunha: que nome dar ao bichinho? Não podia ser um nome qualquer, e fiquei divagando entre os nomes mais bonitos que conhecia, principalmente os dos meus heróis da Literatura, e por pouco ele não veio a se chamar Capitão Rodrigo. A História se impunha, também, e a força desta minha América tão amada, e pensa de cá e pensa de lá, e cheguei em Atahualpa, o último imperador Inca, aquele que foi traiçoeiramente assassinado pelo invasor espanhol – Atahualpa nascera do amor, fora um grande imperador... sim, sim, só restava saber se eu iria ter, mesmo, o cachorrinho.
Esperei até dez para as seis para voltar à agropecuária, e descobri que TODOS os animais que estavam lá para doação, naquele dia, tinham arranjado dono e ido embora – todos menos um cachorrinho que estava abandonado lá no canto de uma jaula, abanando um rabinho que parecia um fio de lã preta do tamanho de um dedinho de bebê – foi um momento mágico, aquele, quando peguei Atahualpa no colo, embrulhei-o num florido pano vermelho e fui com ele até o carro, mostrando-lhe o que havia ali por fora e começando nossa primeira conversa:
- Olha só, Atahualpa, veja como o mundo é grande! – e fui me exibir com ele para a minha amiga Dina, perto dali.
Era seis de dezembro, dia de São Nicolau, importante dia da minha cultura, quando as crianças colocam o sapato na janela para ganhar chocolates, balas e castanhas de São Nicolau. Para mim, era como se eu tivesse botado o sapato na janela também!
Nos dias seguintes, descobri o quanto Atahualpa era fraquinho, como estava doente, com desinteria, e houve momentos em que entrei em pânico, porque o Natal se aproximava e os veterinários estavam saindo de férias e os hoteizinhos estavam lotados por causa dos feriados e eu tinha que ir para Florianópolis lançar um livro, e então Atahualpa ficou mal mesmo, e consegui um veterinário que o atendeu – e desfez toda aquela bobagem de que cachorro moderno só pode comer ração: mandou-me para casa dar-lhe arroz com frango, aos pouquinhos, para que ele não vomitasse de novo. Fui para a cozinha com o coração na mão, e quando ficou pronto aquela comida nova, ele a devorou com tal ferocidade, e ficou latindo e me olhando com tal ódio por não lhe dar tanto quanto queria, que até hoje lembro dos seus olhinhos negros tão cheios de indignação e raiva que pensei que poderiam me matar.
Aos pouquinhos, ele foi melhorando, mas foi só a 24 de dezembro, manhã de Natal, que acho que ele ficou bom. Levei-o a dar uma voltinha na calçada, e de repente ele encontrou um grande pedaço de lingüiça abandonada em algum lugar, e apoderando-se dela, rosnou para mim e mostrou-me os dentes, e fugiu com a lingüiça para debaixo de um automóvel, e lá, esbarrando no meu desespero, devorou aquela lingüiça toda num instante, deixando-me morta de preocupação, lembrando das lingüiças com veneno que gente malvada espalha por aí para matar cachorrinhos incautos. Voltei com ele para casa para poder observá-lo: se ele comera veneno, logo começaria a passar mal, e haveria que correr ao veterinário para abreviar a sua agonia, mas o dia passou e nada aconteceu.
Então, naquela noite de Natal, eu tinha que ir a duas festas, e deixei meu cachorrinho comer tanto churrasco, banha e lingüicinha quisesse, e depois disso ele nunca mais ficou doente. Faz pouco mais de três meses que está comigo – não passava de um bife, quando veio – tinha 800 gramas e um rabinho de fiapo de lã. Agora é Páscoa, e virou um rabudo de palmo e meio de rabo tão grosso quanto o meu polegar, e nesta semana estava pesando seis quilos, e desenvolvi músculos novos nos braços de tanto carregá-lo para atravessar as ruas e coisas assim. Está com cinco meses, e não imagino o quanto ainda irá crescer. Que parceria que fomos arranjar, não, Atahualpa?
Blumenau, 21 de março de 2008.
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