quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A Borboleta Azul

A borboleta maravilhosamente azul morria na calçada, enquanto eu vinha arrastando o meu cansaço extremo. Comovi-me com a mocinha que não se conformava com o desapego à vida por parte da borboleta – afinal, cresci numa rua onde todas as crianças criavam borboletas desde que eram pequenos ovinhos em folhas de couve, e aprendera uma porção sobre elas. Parei para consolar a mocinha:
- Ela agora vai morrer. É assim mesmo. Já deve ter posto seus ovos, e agora vai morrer.
Não é impossível pensar-se que as borboletas possam sentir solidariedade – talvez aquela tenha sentido. O fato é que adejou mais uma vez suas asas maravilhosamente azuis, talvez seu último adejar. Consolei mais uma vez a mocinha:
- Elas vivem poucas horas...
Havia que me ir – uma fisioterapia que se alonga me aguardava um pouco adiante. Mas fui com aquele azul maravilhoso da borboleta dentro dos olhos, aquele último adejar de asas encantadas que vão se transformar em nada, em poeira de calçada... Mesmo assim andava rápido, havia o horário da fisioterapia, bem quando ... não podia ser verdade, decerto eu estava sonhando, assim como aquela borboleta sonhara à vista do seu primeiro sol, poucas horas antes... era verdade, não era? Já não importava o horário, nem a tristeza da mocinha, nem aquele adejar azul com que a borboleta se despedia – lá do outro lado da rua o mundo deixava de ter lógica, virava puro encanto, e creio que me quedei imóvel, paralisada, fascinada demais para qualquer outra coisa – quem vinha lá andando bem alheio ao fascínio que espalhava? Com a beleza e a leveza de um colibri que paira no ar meu Gato Malhado caminhava pela calçada do outro lado da rua, em habitat e horário estranhos para a circulação de colibris-gatos-malhados, uma surpresa total para aquela rua onde uma borboleta azul estava morrendo!
Inundei-me de luz e de alegria; vi um sol do qual já não lembrava; esqueci da dor, das dores, tantas – que importavam as dores se um colibri encantado adejava pela rua onde uma borboleta azul morria? Meu Gato-Malhado-Colibri vinha sério, circunspeto, a ternura dos seus pêlos malhados de prata como que precisando de uma carícia, a leve camisa de fino tecido branco raiado de preto adejando também, como, um pouco antes, as asas da borboleta azul; seu cenho sobrecarregado por tantos cansaços como que pedindo um refrigério; o peito amplo parecendo frágil naquela rua em que a borboleta morria – que poderia eu fazer por ele, para alisar-lhe as rugas da testa, o peso das preocupações, as mágoas tantas, acumuladas sabe-se lá desde quando, talvez desde os tempos em que andava a caçar estrelas em noites de satélites?
Eu não podia fazer nada além de ficar olhando e ficar feliz – lembro-me que em algum momento pensei que aquela postura de estátua fascinada deveria ser constrangedora, e então procurei a tênue proteção de um poste de cimento – o que é que se faz, em horas mágicas assim, em que borboletas azuis desistem da vida e encantados colibris adejam com toda a leveza por calçadas que até então não tinham passado de calçadas comuns? Não havia o que fazer além de ficar amando silenciosamente aquele Gato Malhado que se ia, ficar a olhá-lo até ele sumir na distância, o coração disparado de alegria. Mais tarde, depois da fisioterapia, quando voltei pelo mesmo caminho, fui haurindo em grandes haustos o ar daquela rua, pois ele estava cheio de perfume de flor. Também! Uma rua assim como aquela nunca mais será a mesma, depois da borboleta e do Colibri adejante terem estado ali assim ao mesmo tempo – pena que a borboleta morreu, e que do Colibri só ficou o perfume!

Blumenau, 28 de fevereiro de 2008.

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